DÍVIDA ATIVA – UNIÃO, ESTADOS, DF E MUNICÍPIOS – SECURITIZAÇÃO

Lei Complementar nº 208/24 regulamenta cessão de direitos de dívida ativa dos Entes Federados
por Jorge Ricardo da Silva Júnior publicado em 25/07/2024

No dia 03/07/2024, foi publicada a Lei Complementar nº 208, que alterou a Lei nº 4.320/64, para dispor sobre a cessão de direitos creditórios originados de créditos tributários e não tributários dos Entes Federados, bem como alterou os artigos 174 e 198 do Código Tributário Nacional (CTN).

Em relação às alterações na Lei nº 4.320/64, o art. 1º da LC nº 208/24, inseriu o art. 39-A na Lei nº 4.320/64, o qual estabelece que os Entes Federados, poderão ceder onerosamente, nos termos da própria Lei Complementar e de lei específica que os autorize, direitos originados de créditos tributários e não tributários, inclusive quando inscritos em dívida ativa, a pessoas jurídicas de direito privado ou a fundos de investimento regulamentados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em outras palavras, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão “securitizar” ou “vender” seus créditos tributários para terceiros nos termos da lei.

De acordo com o §1º do art. 1º, a cessão dos direitos creditórios deverá observar o seguinte:

  • preservar a natureza do crédito de que se tenha originado o direito cedido, mantendo as garantias e os privilégios desse crédito;
  • manter inalterados os critérios de atualização ou correção de valores e os montantes representados pelo principal, os juros e as multas, assim como as condições de pagamento e as datas de vencimento, os prazos e os demais termos avençados originalmente entre a Fazenda Pública ou o órgão da administração pública e o devedor ou contribuinte;
  • assegurar à Fazenda Pública ou ao órgão da administração pública a prerrogativa de cobrança judicial e extrajudicial dos créditos de que se tenham originado os direitos cedidos;
  • realizar-se mediante operação definitiva, isentando o cedente de responsabilidade, compromisso ou dívida de que decorra obrigação de pagamento perante o cessionário, de modo que a obrigação de pagamento dos direitos creditórios cedidos permaneça, a todo tempo, com o devedor ou contribuinte;
  • abranger apenas o direito autônomo ao recebimento do crédito, assim como recair somente sobre o produto de créditos já constituídos e reconhecidos pelo devedor ou contribuinte, inclusive mediante a formalização de parcelamento;
  • ser autorizada, na forma de lei específica do ente, pelo chefe do Poder Executivo ou por autoridade administrativa a quem se faça a delegação dessa competência;
  • realizar-se até 90 (noventa) dias antes da data de encerramento do mandato do chefe do Poder Executivo, ressalvado o caso em que o integral pagamento pela cessão dos direitos creditórios ocorra após essa data.

Dentre as determinações citadas, pode-se destacar a manutenção da natureza do crédito e dos privilégios e garantias, bem como a competência da Fazenda Pública ou da Administração Pública para cobrança judicial ou extrajudicial do crédito, não obstante a cessão do direito. Ou seja, o terceiro adquirente do direito de crédito não poderá ele próprio executar a dívida no âmbito judicial ou extrajudicial, função que caberá à Fazenda Pública.

Ademais, deve-se ressaltar o fato de que a obrigação pelo pagamento dos direitos creditórios permanecerá com o contribuinte devedor, de tal sorte que é excluída a responsabilidade do Ente Federado cedente pelo pagamento da dívida cedida.

É interessante notar, também, que o § 4º do art. 1º estabeleceu que as cessões de direitos creditórios realizadas nos termos do art. 1º não se enquadram nas definições de que tratam os incisos III e IV do art. 29 e o art. 37 (operações de crédito) da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), sendo consideradas operação de venda definitiva de patrimônio público. Como se vê, tal determinação buscou retirar do escopo das restrições da Lei de Responsabilidade Fiscal tais operações, que, antes da LC nº 208/24, eram consideradas operações de crédito por antecipação de receita.

Quanto as alterações realizadas pela Lei Complementar nº 208/24 no CTN, a primeira delas diz respeito ao art. 174, parágrafo único, inciso II, o qual estabelecia que o prazo prescricional para a ação de cobrança do crédito tributário seria interrompido pelo protesto judicial. Com a nova redação o protesto extrajudicial passa a ser causa de interrupção da prescrição.

A segunda alteração corresponde à inclusão dos §§ 4º e 5º no art. 198 do CTN. O § 4º estabeleceu que a “administração tributária poderá requisitar informações cadastrais e patrimoniais de sujeito passivo de crédito tributário a órgãos ou entidades, públicos ou privados, que, inclusive por obrigação legal, operem cadastros e registros ou controlem operações de bens e direitos”. Trata-se de disposição que busca ampliar a capacidade fiscalizatória da Administração Tributária, por meio do compartilhamento de dados.

O § 5º por sua vez, determina que, independentemente do previsto no art. 4º, a administração pública de qualquer dos Poderes deverá colaborar com a Administração Tributária com o objetivo de compartilhar dados dos administrados e supervisionados.

Nesse sentido, percebe-se que ambos os dispositivos do art. 198 estão alinhadas com os princípios da transparência e da cooperação que foram inseridos pela Emenda Constitucional nº 132/2023 no art. 145 da Constituição Federal. Tais disposições incluídas pela LC nº 208/24 têm como consequência um aumento na transparência das informações fiscais, ampliando os poderes da fiscalização na verificação de fraudes e ocultação de patrimônio por parte dos devedores. Por outro lado, é possível que contribuintes questionem a concessão de determinados dados às autoridades tributárias, especialmente considerando a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

A pertinência da ampliação do acesso às informações com a securitização da dívida ativa está na facilitação do processo de montagem dos títulos representativos das dívidas da Fazenda Pública, já que o uso das informações possibilitará uma melhor avaliação do risco de cada devedor.

Portanto, a Lei Complementar nº 208/24 trouxe relevantes alterações na legislação orçamentária e tributária, com a regulamentação da securitização da dívida ativa e com a alteração dos dispositivos do CTN relevantes para a garantia de que esse modelo de securitização tenha seu funcionamento garantido, como é o caso da interrupção da prescrição pelo protesto extrajudicial e a ampliação do acesso aos dados de contribuintes devedores.

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