SIMPLES NACIONAL – ACORDOS DE BITRIBUTAÇÃO – SC COSIT N. 219 e 220

RFB entende que acordos de bitributação não se aplicam a empresas do Simples Nacional
por Jorge Ricardo da Silva Júnior publicado em 29/08/2024

Em 30/07/20204, foram publicadas as Soluções de Consulta COSIT n. 219 e 220, que trataram da aplicação de acordos para evitar a dupla tributação (“acordos de bitributação”) a empresa exportadora de serviço do Simples Nacional.

Em ambos os casos, a empresa brasileira, tributada no regime do Simples Nacional, questionou a Receita Federal do Brasil (“RFB”) sobre a possibilidade de compensar o imposto de renda retido no exterior quando do pagamento realizado pelo tomador dos serviços, tendo em vista a existência de acordo de bitributação entre os países.

No caso da SC COSIT nº 219 o acordo de bitributação em exame era o acordo Brasil-Chile, enquanto na SC COSIT nº 220 se examinava o acordo Brasil-Peru.

Como se sabe, em regra, quando o acordo estabelece a competência cumulativa de ambos os países para tributar determinada renda, entram em jogo os métodos para evitar a dupla tributação, os quais, geralmente, estão no artigo 22 dos acordos de bitributação. Veja-se a redação do artigo 22, §2, dos acordos Brasil-Chile e Brasil-Peru, respectivamente:

Brasil-Chile

Métodos para Eliminar a Dupla Tributação

ARTIGO 22

Método de Crédito

2. No caso do Brasil, a dupla tributação será evitada da maneira seguinte:

Quando um residente do Brasil obtiver rendimentos que, de acordo com as disposições da presente Convenção, sejam tributáveis no Chile, o Brasil admitirá a dedução, do imposto sobre os rendimentos desse residente, de um montante igual ao imposto sobre os rendimentos pago no Chile, de acordo com as disposições aplicáveis da legislação brasileira.

Brasil-Peru

Métodos para Eliminar a Dupla Tributação

ARTIGO 22

Eliminação da Dupla Tributação

2. No caso do Brasil, a dupla tributação será evitada da maneira seguinte:

Quando um residente do Brasil receber rendimentos que, de acordo com as disposições desta Convenção, sejam tributáveis no Peru, o Brasil admitirá a dedução, do imposto sobre os rendimentos desse residente, de um montante igual ao imposto sobre os rendimentos pago no Peru, de acordo com as disposições aplicáveis da legislação brasileira. Todavia, tal dedução não poderá exceder a fração do imposto sobre a renda, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos tributáveis no Peru.

Como se vê, caso aplicadas as referidas disposições, as empresas brasileiras poderiam se aproveitar do imposto pago no exterior como forma de evitar a dupla tributação.Ocorre, contudo que a RFB entendeu que os benefícios decorrentes dos acordos de bitributação não seriam aplicáveis às empresas optantes pelo Simples Nacional, com base nos fundamentos a seguir expostos.

Em primeiro lugar, referiu que, conforme o art. 18, § 14, da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006 (LC 123/06”), em relação a receitas de exportação, podem ser reduzidos “tão somente” os percentuais de COFINS, PIS, IPI, ICMS e ISS, conforme a própria Constituição Federal determina. Nesse contexto, no momento de declarar o respectivo período de apuração no Programa Gerador do Documento de Arrecadação do Simples Nacional – Declaratório (PGDAS-D), a empresa do Simples Nacional não pode reduzir o percentual de IRPJ incidente sobre suas receitas de exportação.

Em segundo lugar, o art. 18 da LC 123/06, autoriza somente Estados, Municípios e Distrito Federal a conceder isenção ou redução de seus percentuais – ICMS e ISS. A União, por sua vez, só está autorizada a isentar e reduzir percentuais de COFINS e PIS e Contribuição para o PIS/Pasep e para produtos da cesta básica, por meio de lei específica para optantes pelo Simples Nacional (§ 20-B).

Em terceiro lugar, o art. 21, § 9º, da LC nº 123/06, proíbe que créditos apurados fora do Simples Nacional sejam compensados com débitos desse regime, de forma que eles também não podem ser utilizados para dedução, no momento de declarar o período de apuração no PGDAS-D. Nessa linha, o imposto retido no exterior não poderia ser utilizado para compensação como pretendia o contribuinte.

E, em quarto lugar, o art. 24, § 1º, da LC nº 123/06, proíbe aos optantes a fruição de quaisquer alterações em bases de cálculo, alíquotas e percentuais ou outros fatores que modifiquem o valor dos tributos apurados na forma do Simples Nacional, exceto as previstas ou autorizadas na própria LC 123/06. Vale dizer, a opção pelo Simples Nacional é incompatível com a utilização de qualquer outro benefício ou tratamento fiscal diferenciado ou mais favorecido.

A partir disso, a RFB apresentou a controvérsia principal dessas soluções de consulta, que diz respeito a se essas vedações e restrições estabelecidas na Lei do Simples Nacional devem ser afastadas frente à existência de acordo de bitributação.

Tal conflito surge da discussão acerca do art. 98 do CTN e do status dos acordos de bitributação no sistema jurídico brasileiro. O referido artigo dispõe que “os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.”

Em verdade, os acordos não revogam a lei interna, mas prevalecem sobre a legislação.  E conforme já decidiu o STJ, os acordos internacionais para evitar a dupla tributação prevalecem não em razão de sua hierarquia, mas por serem normas especiais em relação à legislação interna.

Corroborando para o entendimento de que não há supremacia hierárquica, o STF já decidiu que os tratados e convenções internacionais, salvo aqueles que versem sobre direito humanos, ingressam no direito brasileiro com status equivalente à lei ordinária. Já os que versam sobre direito humanos teriam um caráter “supralegal”.

Nesse contexto, a RFB utilizou tais argumentos para chegar a conclusão de que, como qualquer lei ordinária, os acordos de bitributação não seriam aplicáveis em matéria reservada à lei complementar, como é o caso do tratamento favorecido às empresas do Simples. Assim, não pode uma norma especial com status de lei ordinária prevalecer sobre uma norma geral que a Constituição Federal reserva às leis complementares.

Ademais, foi feita referência ao julgamento da Medida Cautelar na ADI nº 1.480/DF, julgada em 1997, em que se entendeu que “os tratados internacionais celebrados pelo Brasil – ou aos quais o Brasil venha a aderir – não podem, em consequência, versar matéria posta sob reserva constitucional de lei complementar”.

Por fim, a RFB referiu que a impossibilidade de compensação do imposto não representaria qualquer violação aos direitos dos contribuintes, visto que a adesão ao Simples Nacional é facultativa. Assim, caberia ao contribuinte ponderar os bônus e os ônus de fazer a opção pelo Simples Nacional.

Não obstante a fundamentada construção da RFB, o entendimento levanta algumas questões pertinentes.

A primeira delas corresponde ao problema do entendimento de que os acordos de bitributação têm status de lei ordinária e somente prevalecem em razão da especialidade. Nessa linha, num conflito entre o acordo e uma lei que tenha status hierárquico superior a lei ordinária, o acordo nunca prevalecerá. Deve-se lembrar que os acordos são compromissos internacionais firmados pelo Brasil, ou seja, limitações ao poder de tributar autoimpostas pela nação brasileira, o que parece revelar que trata-los como meras lei ordinárias não é correto, não obstante o posicionamento atual da jurisprudência.

Dessa forma, ao contrário do que entendeu a RFB, o imposto retido no exterior deveria ser considerado para fins de pagamento do imposto no Brasil, ainda que no regime do Simples Nacional, de forma a ser evitada a dupla tributação.

A segunda questão é se os acordos de bitributação não poderiam ser considerados como acordos que versam sobre direito humanos. Trata-se de questão que ainda não foi devidamente examinada pelos Tribunais Superiores, mas que certamente impactará tais discussões.

Uma última questão diz respeito à ausência de norma na legislação interna prevendo a possibilidade de compensação do imposto pago no exterior por empresa no Simples Nacional.


Efetivamente, não há a previsão na legislação brasileira de compensação do imposto pago no exterior para empresas do Simples, tampouco para empresas tributadas pelo lucro presumido.

Não obstante isso, a RFB, na Solução de Consulta DISIT nº 5.010/23, entendeu que: 

A pessoa jurídica que prestar serviços diretamente no exterior não poderá, em princípio, compensar imposto pago no país de domicílio da pessoa física ou jurídica contratante, a menos que haja acordo ou convenção entre o Brasil e o país estrangeiro que autorize tal compensação como método para evitar a dupla tributação, sem exigir regime de tributação específico. (grifou-se)

Portanto, da mesma forma poderia se afirmar que, não obstante a ausência de base legal no ordenamento brasileiro, empresas do Simples Nacional também poderiam compensar o imposto retido no exterior com base no acordo de bitributação.

Dessa forma, à luz dos questionamentos postos e dos fundamentos utilizados pela RFB, o entendimento manifestado é questionável e eventualmente poderá ser enfrentado pelos tribunais pátrios, tendo em vista que o posicionamento manifestado acaba permitindo a dupla tributação de empresas do Simples Nacional exportadoras de serviço.

INFORMATIVO

Mundo Tributário e Societário

O informativo eletrônico Mundo Tributário e Societário é desenvolvido internamente pelos profissionais que integram a equipe Tributária e Societária de Charneski Advogados, com intuito de levar informação técnica de qualidade até você nas áreas do Direito Tributário e Societário.